
É-me muito difícil fazer a crítica a The Departed sem ter em conta que é um remake de um filme que eu acho brilhante, Infernal Affairs. É também provável que grande parte das ovações (quanto a mim um pouco exageradas) que o filme tem recebido, sejam feitas por pessoas que nunca viram o original. Torna-se portanto impossível não comparar os dois, ainda mais, dada a proximidade temporal em que foram realizados.
Começando pelos pontos positivos, The Departed é um excelente trabalho de realização. Scorsese reacende a chama que vimos em The Goodfellas e consegue concretizar um trabalho entusiasmante. Mais do que isso, o realizador consegue ultrapassar todos os pormenores a mais, dispensáveis, e conta a história sem quebras, sem interrupções, cingindo-se ao que realmente interessa. Quanto a mim, um grande passo desde The Aviator e Gangs of New York que, mesmo sendo obras de qualidade inquestionável, arrastam-se e perdem-se no meio de assuntos que nada acrescentam ao todo.
A adaptação da história para a realidade americana é muito bem conseguida, demarcando-se totalmente da questão das tríades, que é fulcral em Infernal Affairs. Em The Departed estamos então no campo dos gangs, que Scorcese tão bem conhece. E isso é visível. A naturalidade com que uma mesma história consegue sobreviver em duas realidades diferentes é um excelente trabalho por parte do realizador. Há ainda um pormenor que achei particularmente interessante: A forma como este novo título se enquadra nesta nova versão é perfeita e explicada de forma algo subtil durante o filme.
Aqui há acção e alguma violência, suportados por um argumento ímpar e actores surpreendentes. Jack Nicholson é a vedeta na tela. Dificilmente desilude e, mesmo estando igual a si mesmo, tem um desempenho fortíssimo. Não se deixando facilmente ofuscar pelo génio de Jack Nicholson, surge Leonardo Dicaprio. Ainda com o seu eteno ar de adolescente mas, desta vez, com barba rija e alguns músculos. É frágil e ao mesmo tempo inquebrável. Desafia o espectador a tentar perceber se irá ganhar o seu lado de herói ou um outro mais obscuro. Facilmente para mim, afirmo que este é o melhor desempenho da sua carreira. Matt Damon tem alguns momentos de genialidade mas, infelizmente, não consegue carregá-los durante todo o filme. Mark Whalberg rouba todas as cenas em que surge acabando por ser, para mim, a maior surpresa do filme.
No lado negativo, Scorcese ambiciona pouco. Tendo em conta que é um remake esperava-se algo de maior dimensão. Enquanto Infernal Affairs nos dá uma imensurável cena de confronto entre os protagonistas no topo de um requintado arranha-céus, em The Departed temos de nos contentar com um enferrujado terraço no 4º andar de um prédio abandonado. Serve este exemplo para demonstrar como há preocupações diferentes com o aspecto visual do filme e como, quanto a mim, os olhos também comem, Infernal Affairs tem larga vantagem sobre a empoeirada paisagem de The Departed.
Finalmente, o controverso final. Controverso porque, não só Scorcese decidiu fazer uma coisa diferente do original como, ao tomar essa decisão, muda toda a moral do filme. Não me vou alongar muito mais porque não quero estragar a surpresa a ninguém mas, ainda assim, tenho de dizer que a sensação que este final me dá é a de que Scorsese tinha de pôr um factor surpresa. Uma forma de tornar o final imprevisível para todos, mesmo para aqueles que viram Infernal Affairs. O problema é que o faz sem dar particular atenção ao facto de que aquele final era perfeito. A única razão que vejo para este final prende-se exactamente com o mesmo motivo porque alguém achou pertinente um remake de Infernal Affairs. Para reduzir todas as outras formas de expressão, a uma só: The All American Way

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